O roteiro é muito parecido, quase uma releitura. Somente os protagonistas vem mudando. O filme começa com carros vindos do Oriente com preço baixo, mas muito bem equipados. No meio da trama, olhares ocidentais, desconfiados, analisam os veículos em busca de defeitos aparentes ou de tecnologia com qualidade questionável. Alguns modelos vão ganhando novos clientes e quebram paradigmas. Outros confirmam as desconfianças e são rotulados como produtos de baixa qualidade. No final, algumas fabricantes do Oriente prevalecem no novo mercado, enquanto outras não conseguem conquistar o seu espaço e desaparecem.
Carros japoneses e coreanos já foram os atores principais de histórias como essa. Cada um, a seu tempo e a sua maneira, superou algumas desconfianças. Hoje, modelos do Japão são referência em vários segmentos, enquanto algumas marcas da Coreia do Sul não só melhoraram a qualidade de seus produtos, mas também já incomodam concorrentes tradicionais em vários mercados, inclusive no Brasil.
Agora, quem tenta seguir essa trilha são as empresas chinesas. Com o maior mercado de automóveis do planeta, a China quer conquistar uma fatia do público nacional. A receita para isso é o já citado carro bem equipado com preço atraente, aliado à promessa de segurança e manutenção barata.
No Brasil as pioneiras Effa, Chery, Lifan, Hafei, Jinbei, JAC Motors e Brilliance já fazem o consumidor questionar: vale a pena comprar um carro chinês? Será que esses veículos estão prontos para o mercado brasileiro? Para elucidar essas dúvidas, reunimos três representantes made in China. Comparamos os hatches mais bem equipados, o Chery Face, o Lifan 320 e o JAC J3. Confira os resultados a seguir.
Equipamentos de série
Primeiro, falemos do Lifan 320, o menos recheado da turma. Os vidros com acionamento elétrico sobem e descem forçando a guarnição das portas, fazendo barulho. O 320 também decepcionou por conta da luz no painel que indica problema no airbag, que acendeu já no segundo dia de testes, permanecendo assim durante toda a nossa avaliação.
O Face, por sua vez, apresentou uma condensação incomum no ar-condicionado. Ao ligar o equipamento, um tipo de fumaça surgiu das saídas de ar. Nada que atrapalhasse, mas nunca havíamos observado esse fenômeno antes.
O JAC também não passou ileso. Seu sistema de travamento remoto integrado à chave — que, coincidentemente, tem o mesmo desenho da usada pela Toyota — funcionou ocasionalmente. Já o sistema de áudio saiu-se bem. A porta USB reconheceu um pendrive e foi possível conectar um MP3 player sem problemas. No entanto, na hora de ligar um iPod, não obtivemos sucesso, por duas vezes. Sem falar que a antena do rádio — embutida no para-brisa — não capta bem o sinal das emissoras, deixando a transmissão com interferência. O Face levou a melhor nota no quesito equipamentos, já que o J3 tem lista parecida, mas preço mais elevado. O 320 é mais barato, mas entrega menos.
Comportamento
O motor 1.3 16V do JAC (embora a marca o anuncie como 1.4, a cilindrada é 1.332 cm³) é o mais potente do trio, com 108 cv. O Lifan 320, com seu 1.3 de 88 cv cumpriu a prova de aceleração em 13s9 e o Chery Face em 13s4.
No quesito prazer ao dirigir, o J3 surge como líder. Só que esse triunfo se deveu menos às suas qualidades e mais por demérito dos concorrentes. O JAC parece ter sido mais bem adaptado ao gosto do motorista brasileiro. Sua suspensão — independente na traseira, a única do trio — não sofre com o asfalto nem é macia em exagero. Sua direção leve não é um primor na hora de transmitir sensações, mas não é “anestesiada” como as de 320 e Face.
As trocas de marchas também ajudam o J3, cujo câmbio tem bons engates e o pedal de embreagem é leve. O Lifan também não faz feio com a sua caixa, mas o pedal do freio transmite algumas vibrações para o motorista. O Face é o que menos agradou. Com a suspensão mais macia, o Chery parece desconectar-se do asfalto, e a sensação ao volante não transmite segurança. Sua direção é leve demais e o câmbio tem engates imprecisos, além da alavanca ter curso muito longo. O freio também apresenta trepidações em algumas situações.
Impressão de qualidade
O Chery Face apresenta um interior interessante. A escolha das cores é harmoniosa. Só que a qualidade dos encaixes é ruim. O plástico é rígido e não agrada ao tato. Parece o material usado em eletrodomésticos. A forração e a espuma dos bancos têm aparência frágil.
Em virtude do visual da carroceria, poderia se esperar que o interior do Lifan 320 também fosse ousado. No entanto, o “sósia” chinês do MINI não incorporou a cabine bem desenhada e extravagante do inglês. Além disso, o plástico usado no painel, no volante e na manopla de câmbio é duro e áspero, apesar de até ficarem bem nas fotos. Como se não bastasse, os encaixes das peças também deixam a desejar. Por fim, qualquer impressão de qualidade acabou comprometida quando o Lifan nos deixou a pé.
Na volta de nossa sessão de fotos em Itu, interior de São Paulo, viemos pela SP-312. Logo após passarmos por Cabreúva, o Lifan 320 “apagou” sem motivo aparente. Pior: o pisca-alerta também não funcionava. Foi preciso rebocar o carro até a vizinha Pirapora do Bom Jesus. A vistoria feita pela Lifan detectou o rompimento de um cabo que alimenta a bomba de combustível. Mal sinal.
O J3 exibe o melhor acabamento. Os encaixes são satisfatórios e a textura emborrachada no painel faz bem aos olhos e às mãos. Os apliques com efeito cromado nas saídas de ar conferem requinte sem exageros. A sensação de qualidade também é maior porque o JAC é o único da turma que pode ter bancos de couro. Um acessório de R$ 1.300. O ponto negativo é o volante, feito de plástico menos nobre e que apresenta rebarbas aparentes.
Veredicto
2º Chery Face
No papel, tudo parecia sair dentro dos planos para o Face neste comparativo. Lista de equipamentos similar ao J3, motor também 1.3, mas com preço cerca de R$ 5.000 menor que o do JAC. No entanto, o Chery falhou no primordial: qualidade. O material usado no interior do carrinho tem aparência espartana. Encaixes frouxos e vãos irregulares denunciam o motivo pelo qual este compacto sai mais em conta. O espaço menor também jogou contra o Face, assim como o seu comportamento, a direção “anestesiada” e o desempenho apenas satisfatório. Fica a sensação de que o modelo precisa passar por uma boa adaptação para cativar de vez o consumidor brasileiro.
3º Lifan 320
Carlos Cereijo - fotos: Pedro Bicudo
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